Poder de se perder

O dia foi ótimo, estar tão longe de casa trazia para ele uma segurança tremenda. Coisa estranha de se pensar, mas não deixava de ser verdade.

O frio tinha cessado pelo primeiro dia desde que tinha chegado, resolveu sair do quarto e aproveitar as últimas horas naquele lugar tão pesado de história e tão despido de tradicionalismo. No caminho do terraço prestou atenção em detalhes que não havia visto até então, pequenos prazeres como a simetria entre o padrão do carpete nos corredores e as pequenas luminárias no teto ou o eco estranho que era produzido pelo seus passos ao subir as escadas.

Já a céu aberto a brisa lhe atingiu, fechou os olhos no caminho dali até o guarda corpo mais a frente, quando os abriu novamente o som da rua abaixo foi abafado pela beleza das luzes a sua volta. Olhou para cima, a Lua reinava soberana, sua luz superava as artificiais e conseguia delinear as curvas das montanhas que sentavam caladas no horizonte.

Ficou ali, de cabeça quase vazia por meia hora ou mais. Tinha essa mania de se perder no vazio das coisas.

Esse poder de se perder.

Sentiu quando a mão tocou seu ombro descoberto, só então percebeu que a blusa havia ficado no quarto. Não olhou para trás pois o toque lhe era familiar. A presença cresceu e se pôs ao seu lado, admirando as luzes como ele fazia... o suspiro que seguiu lhe trouxe ainda mais calma. Estava bem, estava seguro, estava aceito.

Cedeu e passou a fitar quem lhe fizera sentir tão bem durante a viagem, as luzes do terraço estavam apagadas mas os contornos do rosto eram visiveis graças ao bom trabalho da Lua. Os olhos estavam fechados, a expressão era de tranquilidade absoluta.

A brisa retornou com mais força e ele fechou os olhos novamente, sua dança durou mais tempo desta vez, o frio voltaria em breve.

- Pronto pra voltar pra casa? - Disse ele.

Alguns minutos se passaram antes da voz que o acompanhava responder.

- Achei que estava em casa.

trocaram um longo olhar e um sorriso.

era verdade.

estavam em casa.