A casinha

Fazia pouca semanas que para ali eu havia me mudado. A vizinhança era pequena, as casas afastadas, os vizinhos falavam pouco além do tradicional "oi, tudo bem?" que não espera resposta. Mas era um lugar tranquilo, sem muita história, sem muita bagunça, meio desinteressante, meio entediante.

Nos primeiros dias de casa nova eu não notei nada disso, me preocupei com a limpeza, com a decoração, com a internet, com concertar uma ou outra tomada, uma e outra maçaneta. Pintei uma parede pela primeira vez, consegui fazer o chuveiro funcionar quase que perfeitamente.

As semanas foram passando e o trabalho dentro de casa diminuiu, comecei a pensar no que fazer com o quintal, tirei o mato que crescia loucamente, plantei uma grama que ficou verdinha em poucos dias. Chamei o moço pra concertar o portão velho.

Por fim, depois de uns três ou quatro meses, fiz um chá, sentei na varanda e fui ler um livro. Livro chato, livro desses que são desnecessariamente complexos, desnecessariamente detalhados, desnecessariamente gigantes... parei, olhei para frente e vi algo diferente.

Minha casa não era na esquina, na verdade ela ficava bem de frente a uma rua, numa configuração estranha que permitia que eu estacionasse o carro sem nenhuma manobra, simplesmente seguindo em linha reta até ultrapassar o portão e alcançar a garagem. Ao levantar os olhos e olhar através do portão, em direção a rua, na outra ponta, havia uma casinha.

Achei estranho porque a casinha ficava exatamente na frente da minha, mas a rua longa sempre distraia, me impedindo de enxerga-la. Era um cubinho marrom-avermelhado, com uma janelinha e uma porta. A garagem ficava ao lado e um desses conversíveis azul-geladeira dos anos 70 estava estacionado nela.

Admirei a casinha e sua cor horrenda por dias. Intrigado com o tamanho, de longe parecia pouco maior que o carro. Não via ninguém entrando, ninguém saindo. O carro sempre estava na garagem. As luzes nunca acendiam.

Certo dia eu resolvi ir visitar quem quer que fosse esse vizinho tão distante e tão próximo. Fiz um bolo para diminuir a inconveniência e segui a rua feliz e curioso. Dois minutos de caminhada me deixaram em frente a um portão idêntico ao meu, a casinha não parecia mais tão pequena, e era bem maior que o conversível da garagem. Também era alta e a cor era agradável.

Toquei a campainha, sem resposta. Apoiei o prato com o bolo em uma das pilastras que mantinham o portão de pé e bati palmas por algum tempo. Novamente, ninguém respondeu. Caminhei ao lado do portão tentando enxergar através da janela, não conseguia ver nada. Como o carro estava na garagem a pessoa não deveria ter ido longe, estão resolvi esperar.

Fiquei uma meia hora andando pra lá e pra cá na frente da casinha, até que resolvi deixar o bolo e ir embora. O portão estava aberto, mas estava quebrado, o mato dominava o lugar mas a varanda estava limpa. Deixei o bolo em frente a porta e me virei pronto para inciar meu trajeto de dois minutos de volta.

Olhei através do portão quebrado, em direção a rua, na outra ponta e vi a minha casinha. Parecia um cubinho pouco maior que meu conversível azul-geladeira estacionado na garagem. E me lembro de pensar que talvez fosse melhor mudar a cor da fachada já que de longe o tom parecia um marrom-avermelhado asqueroso.

Segui a rua, e cheguei em casa...Curiosamente alguém também havia deixado um bolo na minha porta.