O rei que sempre fora
As largas portas de carvalho se abrem e delas
surge um homem magro e pálido. Descalço, carrega sobre si um manto dourado bordado
com fios de ouro. Todos parecem confusos quando o homem, caminhando calmamente,
desamarra o nó que prende o manto a seu corpo e o deixa cair ao chão sujo que
já lhe havia enegrecido as solas dos pés.
Seu rosto não expressa nenhum sentimento, mas
ele sente mais do que devia e o peso que carrega emana de seu corpo como uma
camada espessa de fumaça que entorpece a todos no recinto. Seus olhos estão
fixados nos olhos de outro homem, um ser bronzeado que mantém nas sobrancelhas
a raiva de dez mil homens comuns.
Este segundo dá dois passos em direção ao primeiro,
suas botas ressoam como cascos no chão de pedra. Ele acena a um terceiro homem,
este desinteressante, que carrega consigo a coroa real. O homem, treinado para
tanto, segue em direção ao homem nu e lhe estende os braços, num gesto para que
este pegue a coroa.
O homem raivoso então fala suas primeiras palavras:
- Quero que me entregue a coroa.
O homem nu não desvia seu olhar profundo, agora possuído por uma tristeza tão nobre como seu andar,
e seus gestos. Pega cuidadosamente o ornamento de ouro
maciço com ambas as mãos, como se carregasse sua própria vida. Desvia o olhar, baixando a cabeça. O sinal é mal
interpretado por seu rival, que passa a sorrir com lábios debochados.
O escárnio explícito se extingue em poucos segundos, já que é fácil perceber que o homem nu não planeja fazer o que o havia ordenado momentos antes. Após alguns
segundos, o som do metal atingindo o chão ecoa por todo o salão, seguido por
suspiros espantados dos súditos que lotavam o salão.
- Pegue. – Diz o homem nu. – Leve consigo
minhas migalhas.
E em dois segundos o trono que o homem
raivoso sempre sonhou em conquistar perdeu todo o sentido de ser. E o homem
despido deixou o salão, ainda pálido, ainda magro, mas mais poderoso do que jamais fora.