Lisa


Raios de Sol penetravam a janela empoeirada que, provavelmente, nunca havia sido limpa em toda sua existência, a poeira suavizava a luz como a cortina inexistente que um dia ela colocaria ali. Na cama, um cobertor marrom felpudo fazia o trabalho de lençol, alisado perfeitamente sobre o colchão irregular ele até parecia convidativo.

Ela colocou um disco e caiu na cama de costas, como se não estivesse preocupada com a clara possibilidade do móvel velho não suportar o movimento brusco, olhava para o encarte como se fosse uma obra de arte. Sorriu com ele ao lado do rosto e soletrou o nome do artista por não saber pronunciá-lo, jogou o pobre encarte para o alto e me fitou com seus olhos castanhos profundos de uma deliciosa e contagiante preguiça.

Lisa era seu nome, morena da cabeça aos pés, sua pele macia fazia o vestido de algodão parecer feito de areia, ele não a agradava, nenhuma roupa lhe agradava, assim como não lhe agradava o som dos passos do gato do vizinho em seu telhado, ou o decote da moça do jornal das onze: Falsa moralista! - gritava ela jogando o primeiro objeto macio que encontrava contra a TV - fala um monte de merdas machistas e vem mostrar estes peitos pra mim? Aqui não! - Olhava pra mim certa do meu riso contido, colocava a mão sobre a boca e se desculpava pelo palavrão, logo soltava outro quando me ouvia romper em gargalhadas.

A TV havia quebrado na semana anterior (não graças a seus ataques de raiva), e Lisa, sem decotes para insultar, passou a zapear entre estações de rádio e ocasionalmente se aventurava pelas caixas de discos que estavam sob a cama. Raramente falava comigo e raramente me deixava falar, da porta para dentro não existiam problemas, existia Lisa, seus vestidos de algodão, seu perfume floral e a sobrevivente cama de madeira, nada mais.

Por vezes deitava no chão frio e acariciava a si mesma enquanto cantarolava uma música qualquer, Lisa sabe seduzir qualquer mortal, seja ele homem ou mulher, sua inocência aparente rapidamente se transforma em puro desejo. Por vezes não entendo suas intenções, invariavelmente faço algo que a deixa falsamente irritada mas logo Lisa encontra uma forma de ser recompensada pela minha falta de percepção, ou meu excesso de romantismo, ou minha falta de romantismo, ou qualquer outro problema inventado.

Sai de cena o vestido de algodão, cuidadosamente dobrado, depois violentamente amassado e atirado em direção a meu rosto interessado, o corpo de Lisa reflete a luz do Sol e a transforma num brilho que, para o olho não treinado, emana de seu próprio corpo. O perfume floral se acentua quando os corpos se encontram sobre nossa velha sobrevivente e os suspiros só cessam por um segundo, quando a pequena morte se faz presente.

Olhares são trocados durante o resto do dia, nada se fala, tudo se sente.